Durante o mês de dezembro, acontece a campanha Dezembro Vermelho, que tem como foco o incentivo à prevenção ao HIV/Aids e a outras doenças sexualmente transmissíveis. Para que você entenda um pouco melhor sobre o assunto, como são essas doenças, sintomas, tratamentos e a importância do combate ao preconceito, conversamos com a Dra. Mirian Dal Ben Corradi, infectologista do Hospital Sirio Libanês e médica credenciada Omint, para que nos explicasse os principais pontos.
Neste artigo você vai conferir:
O que é o HIV/Aids? Existe diferença?
O vírus HIV é um retrovírus (vírus de RNA) que ataca o sistema imunológico, responsável por defender nosso organismo de agentes externos. Quando instalado no corpo, o HIV atinge principalmente os linfócitos, um tipo específico de célula desse sistema defensivo. Uma vez dentro dessas células, ele altera o DNA e começa a se multiplicar, fazendo com que esse sistema fique danificado, e não consiga mais funcionar corretamente.
Explicando dessa forma até dá a sensação de que é algo que ocorre tão rápido que é facilmente identificado. Mas o problema é que, muitas vezes, acontece exatamente o contrário.
Esse processo de destruição dos linfócitos pode demorar anos, fazendo com que a pessoa tenha o vírus do HIV (portador), mas nunca manifeste a doença Aids. Esse portador do vírus não apresenta nenhum sinal e sintoma de imunidade baixa, e segue sua vida normalmente, o que pode colocar outras pessoas em risco.
A Aids doença só é caracterizada quando o sistema imunológico já está tomado pelas ações do vírus, fazendo com que qualquer agente infeccioso externo possa afetar muito gravemente o indivíduo. Nesse caso, é muito comum que uma gripe ou pneumonia se complique muito, por não haver mais um sistema de defesa capaz de combater a doença.
Dessa forma, pacientes com a doença em estágio avançado não acabam morrendo pela condição em si, mas por não haver mais defesa contra outros agentes infecciosos.
Entretanto, grandes esforços foram promovidos pela ciência para que hoje tenhamos tratamentos bem-sucedidos de altíssimo nível, fazendo com que pessoas portadoras do HIV nunca desenvolvam a Aids. Basta que sigam o tratamento medicamentoso, que será abordado mais à frente.
A Aids no Brasil atualmente
Do início dos anos 1980 até junho de 2020, foram identificados cerca de 1 milhão de casos no Brasil. Anualmente, são registrados em média 39 mil novos casos de Aids no País, se olharmos para os últimos 5 anos. Esses números, graças às campanhas de incentivo e à disseminação de informação, vêm caindo anualmente. Em 2013, foram cerca de 43 mil novos casos, enquanto em 2019 em torno de 37 mil.
A taxa de infecção também vem diminuindo nos últimos anos. Em 2011 tínhamos 22,2 casos a cada 100 mil habitantes e em 2019 a taxa caiu para 17,8.
Quando falamos da taxa de mortalidade, desde o início dos anos 1980 até o final de dezembro de 2019, foram notificados no Brasil 349.784 óbitos tendo o HIV/Aids como causa básica. A maior proporção desses óbitos ocorreu na região Sudeste (57,7%), seguida das regiões Sul (17,8%), Nordeste (13,9%), Centro-Oeste (5,3%) e Norte (5,3%), segundo o Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde no início de 2020.
Hoje, devido aos tratamentos disponíveis, essa taxa reduziu cerca de 29%, passando de 5,8 para 4,1 óbitos a cada 100 mil habitantes.
A campanha Dezembro Vermelho foi criada justamente para que esses números encolham ainda mais. A iniciativa nasceu a partir da Lei 13.504, publicada no Diário Oficial em 2017, e prevê a campanha nacional de prevenção ao HIV/Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), a partir de 1º de dezembro, Dia Mundial da Luta contra a Aids, data estabelecida em 1987 pela Assembleia Mundial de Saúde, com apoio da ONU.
Dessa forma, durante todo o mês de dezembro, ações de incentivo à prevenção e conscientização são promovidas.
Como acontece a transmissão?
Como qualquer outra doença transmissível, muitos estudos foram desenvolvidos até que se chegasse a uma lista de formas de transmissão, extremamente necessária para que a sociedade se informe. Vamos a elas!
Sexo vaginal, anal ou oral sem camisinha. O sexo desprotegido pode trazer diversas infecções sexualmente transmissíveis, inclusive o HIV.
Uso de seringas contaminadas pelo vírus por mais de uma pessoa. Por isso a importância de sempre utilizar materiais descartáveis para cada paciente.
Transfusão de sangue contaminado. Hoje, o processo de análise para os bancos de sangue é altamente rigoroso para que situações como essa não aconteçam, pois outras doenças também podem ser transmitidas por essa via.
Da mãe infectada para o seu filho durante a gravidez, no parto e na amamentação. É chamada de transmissão vertical. Por isso é tão importante garantir acesso ao pré-natal, com tratamento e acompanhamento adequados e as boas práticas na assistência ao parto das mulheres vivendo com HIV/Aids.
Instrumentos que furam ou cortam não esterilizados e contaminados pelo virus. Qualquer utilização desse tipo de instrumento necessita de um processo de esterilização para que os micro-organismos presentes não passem de uma pessoa para a outra.
Mais importante que saber os meios de transmissão do HIV, é saber os que NÃO transmitem a doença. Essas informações são extremamente necessárias para que o convívio em sociedade seja mais saudável e com menos preconceito. Doenças transmissíveis geralmente são um tabu e muita desinformação ainda circula, fazendo com que algumas pessoas pensem que podem se contaminar de maneiras pelas quais a transmissão não acontece. Confira!
– Sexo com proteção, ou seja, com a utilização correta da camisinha
– Masturbação a dois
– Beijo no rosto ou na boca
– Suor e lágrima
– Picada de inseto
– Aperto de mão ou abraço
– Produtos de higiene, como sabonete, toalha e lençóis
– Talheres ou copos
– Assentos de ônibus ou avião
– Piscinas
– Banheiros
– Doação de sangue
– Pelo ar
Quais são os sintomas?
Como já citado, os sintomas para essa condição podem demorar muito a aparecer. Para que o comportamento do vírus seja mais fácil de ser entendido, a condição foi separada em fases. Confira!
Primeira fase: é chamada de infecção aguda, na qual ocorre a incubação do HIV. Essa etapa corresponde ao tempo de exposição até os primeiros sinais aparecerem, período que pode variar de 3 a 6 semanas. Nosso organismo leva até 60 dias para produzir os anticorpos contra o HIV, e os primeiros sintomas podem ser muito parecidos com os de uma gripe comum, como mal-estar e febre. Por isso, acaba passando despercebido muitas vezes.
Segunda fase: chamada de fase assintomática, é caracterizada pela forte e constante interação entre as células de defesa do corpo e o vírus com suas diversas mutações. Porém, isso ainda não enfraquece o sistema de forma suficiente para permitir que infecções oportunistas se desenvolvam. O corpo pode permanecer nessa fase por muitos anos. Por isso, acaba se tornando uma doença silenciosa por não manifestar nenhum sintoma durante muito tempo, mesmo com o vírus presente.
Terceira fase: chamada de fase sintomática, acontece quando esse processo de interação entre as células de defesa e o vírus já está ocorrendo há muito tempo. Nesse momento, as células do nosso sistema imunológico começam a ser destruídas de fato, abrindo as portas para o que chamamos de doenças oportunistas, na qual uma simples gripe pode ter diversas complicações devido à baixíssima imunidade. As taxas de linfócitos T CD4+ (glóbulos brancos do sistema imunológico) chegam a ficar abaixo de 200 unidades por mm³ de sangue, sendo que, em indivíduos adultos, o valor considerado normal é de 800 a 1.200 unidades. Aqui, os sintomas mais comuns podem incluir febre, diarreia, suores noturnos e emagrecimento severo.
Quando a terceira fase já está instalada, atinge-se o início do estágio mais avançado da doença, a chamada Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – Aids.
É nessa fase que o paciente, por não saber da infecção ou por não seguir o tratamento corretamente, acaba desenvolvendo diversas outras doenças, como hepatites virais, tuberculose, pneumonia, toxoplasmose e alguns tipos de câncer. Muitas vezes, essas doenças acabam levando à morte, uma vez que o organismo não tem mais como se defender, devido à destruição dos linfócitos.
Como funciona o diagnóstico?
Assim como algumas outras doenças, saber o seu diagnóstico em relação ao HIV é de extrema importância. Quanto antes ter o conhecimento sobre o fato, mais chances de a pessoa levar uma vida saudável, graças aos tratamentos hoje disponíveis para a população.
O diagnóstico da infecção por HIV é feito a partir da análise de sangue ou fluido oral. Aqui no Brasil, esse diagnóstico pode ser feito por exames laboratoriais ou testes rápidos, que detectam a presença do vírus em 30 minutos, realizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde – SUS, ou nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA).
É primordial reforçar também que esses exames podem ser feitos de forma anônima, caso a pessoa não queira se identificar. Nos CTAs, além dos exames disponíveis, ainda existe todo um processo de aconselhamento, que auxilia o indivíduo a entender e interpretar o resultado dos testes.
A detecção do vírus pode acontecer depois dos primeiros 30 dias após a exposição à situação de risco.
Quais são os tratamentos disponíveis?
O tratamento para o HIV é feito com medicamentos, que impedem a multiplicação do vírus no organismo e, dessa forma, conseguem fazer com que o sistema imunológico não seja tão afetado, apesar de não conseguirem eliminar o vírus do corpo.
Os primeiros medicamentos já surgiram logo na década de 1980 e foram aprimorados com o tempo. Hoje, é possível conviver com o vírus sem que existam maiores consequências para o sistema imunológico, caso o tratamento seja feito rigorosamente.
Essas medicações são conhecidas como antirretrovirais (ARV) e estão disponíveis para a população pelo Sistema Único de Saúde – SUS, sem restrição, sendo necessária apenas a retirada com prescrição médica.
Com o uso correto das medicações, é possível que, após um período de 6 meses, o vírus se torne indetectável. Isso significa que, mesmo sendo portador do vírus, seguindo o tratamento à risca por um período contínuo, nem mesmo um exame de sangue consegue detectar o HIV. Estudos mostram que, quando o indivíduo chega a esse estágio, o vírus também se torna intransmissível, graças à adesão correta da terapia antiviral (TARV).
Nessa fase, é extremamente necessário que a terapia continue sendo feita corretamente. Qualquer pausa pode “reativar” o vírus, fazendo com que ele se torne novamente detectável, aumente a carga viral e ainda pode existir até o desenvolvimento de uma resistência aos medicamentos.
Os exames devem ser feitos regularmente para que a carga viral seja identificada e, dessa forma, controlada por meio da medicação. Você pode conferir mais informações sobre isso aqui.
Há também a PEP (Profilaxia Pós-Exposição), medida de prevenção utilizada quando o indivíduo é exposto à uma situação de risco, como profissionais de saúde, ou mesmo em casos de exposição sexual, na qual seja necessário um tratamento de emergência. A PEP consiste em um coquetel de remédios que deve ser usado por 28 dias contínuos, evitando que a infecção aconteça.
Para casos de profissionais expostos a objetos contaminados, vítimas de violência sexual ou rompimento de camisinha, é o primeiro passo a ser dado. Esse tipo de tratamento deve ter início de 2 até 72 horas após a exposição. Quanto mais tempo passa, a eficácia da PEP pode diminuir.
A importância do combate ao preconceito
Desde os primeiros casos nos anos 1980, o HIV/Aids sempre foi um tabu na sociedade. Antes, acreditava-se que a doença poderia estar relacionada à sexualidade das pessoas, o que acabou gerando diversas reações.
Hoje, sabemos que o HIV é um vírus transmitido principalmente por via sexual, independentemente de gênero, por objetos cortantes contaminados, transfusão de sangue contaminado e da mãe para o feto, em alguns casos.
A disseminação de informações verdadeiras é muito essencial, pois evita que atos preconceituosos aconteçam: as pessoas soropositivas já enfrentaram muita discriminação na sociedade.
O primeiro passo é sempre a prevenção. Por isso, a importância do sexo seguro, de nunca compartilhar objetos como seringas ou objetos cortantes.
Quando o vírus já está instalado, o tratamento deve ser feito à risca, para que dessa forma o indivíduo consiga levar uma vida mais saudável, sem interferência de doenças oportunistas, ainda que não haja cura.
Agora que você já sabe um pouco mais sobre o assunto, que tal compartilhar essas informações com as pessoas que você ama? A informação é primordial no combate à Aids. Vamos juntos?