De olho no insuspeito
Maquiagem, rolha de espumante e bola de tênis: especialista dá dicas de como evitar alguns acidentes improváveis que assombram nossos olhos.
QUEM É ELE
Dr. Miguel Padilha é diretor do Departamento de Oftalmologia do Colégio Brasileiro de Cirurgiões – Núcleo Central do Rio de Janeiro, membro fundador e
ex-presidente da Associação Brasileira de Catarata e Cirurgia Refrativa, ex-presidente da Sociedade Brasileira
de Oftalmologia.
O sr. percebe mudanças no tipo de demandas ou queixas que os pacientes trazem ao consultório?
Sem dúvida, o perfil dos pacientes que procuram o oftalmologista mudou bastante nestes últimos trinta anos. Por exemplo, os portadores de catarata pediam para ser operados e voltar a enxergar. Hoje eles querem uma pronta reabilitação visual e, sempre que possível, se libertar do uso de óculos. A tecnologia evoluiu muito neste sentido, ensejando a realização dessa “vontade”. Com o advento da técnica da facoemulsificação, no final da década de 1960, afora sucessivas evoluções nos anos seguintes, a cirurgia de extração da catarata deu um salto em qualidade que possibilitou aos pacientes terem alta hospitalar de imediato.
Que outros avanços são importantes?
O advento de lentes intraoculares ou cristalinos artificiais dobráveis, que permitiu uma verdadeira revolução quanto à possibilidade de uma recuperação visual bastante rápida. Cristalinos artificiais com múltiplos focos (trifocais) ou de foco extendido possibilitam aos pacientes operados de catarata terem sua visão recuperada sem necessidade, na grande maioria dos casos, de óculos extras na maior parte do tempo.
Por que o óculos, recurso tão antigo, nunca sai de moda?
Creio que uma explicação para esta permanência arraigada ao uso dos óculos na sociedade moderna se encontra, exatamente, no hábito herdado de várias gerações. Muitos usuários comentam terem se acostumado com óculos de tal forma que, sem eles, não conseguem se olhar no espelho sem a sensação de perda de parte de sua identidade.
E o óculos também evoluiu, certo?
A indústria investiu bastante na modernização de armações e de lentes oftálmicas, com uma série de benefícios introduzidos na sua fabricação, como filtros de irradiação ultravioleta, dispositivos antireflexos, lentes a prova de impacto. Em 2020, vamos comemorar 60 anos de introdução das lentes progressivas ou multifocais, com aperfeiçoamentos que fizeram desaparecer as lentes bifocais, tão comuns nas décadas de 1980 e 1990.
A adaptação ficou mais fácil?
Se, antes, em cada dez pacientes iniciados em lentes multifocais, oito custavam a se adaptar ao seu uso, hoje, essa proporção passou a quase dez se adaptando de imediato. Isto sem falar de armações modernas, leves, coloridas, que ajudam a compor o rosto de seus usuários e, às vezes, suavizar ou anular a presença de alguns defeitos ou assimetrias faciais.
Qual a função das sobrancelhas e dos cílios?
Tanto as pálpebras, sobrancelhas quanto os cílios fazem parte de um complexo sistema de proteção do globo ocular. Piscamos em média dezesseis vezes por minuto e, com isto, o filme lacrimal é permanentemente renovado na superfície da córnea. As pálpebras são ricas em glândulas que produzem lágrima, mucina e lipídeos, fundamentais para produção de uma película especial que se adere e protege o segmento anterior do olho.
Maquiagem pode trazer problemas aos olhos?
De modo geral, o uso de produtos químicos sobre as pálpebras deve ser feito com bastante critério, para não provocar danos a essas estruturas de proteção e defesa. Mesmo as cirurgias para correção de pálpebras ou procedimentos para implantação de cílios artificiais devem ser precedidos de avaliações pelo oftalmologista, para que se afaste a presença de olho seco, lesões corneanas, obstruções de canalículos nasolacrimais, etc.
O que separa a oculoplastia da cirurgia estética?
Na verdade, as duas situações estão muito próximas. O que as diferencia, na essência, é quando distúrbios palpebrais causam danos aos olhos ou à própria visão. O entrópio, com cílios voltados para o olho, pode causar severos danos à córnea. Já o ectrópio [cílios voltados para fora] pode causar lacrimejamento constante. Nessa situação as pálpebras inferiores estão caídas, não sustentam a drenagem da lágrima para o ponto lacrimal. Ambas os casos exigem reparo cirúrgico. Da mesma maneira, a presença de excesso de pele na pálpebra superior ou queda da mesma (ptose), as grandes bolsas palpebrais inferiores ou a assimetria entre as pálpebras dos olhos, tudo isso pode reduzir o campo visual, levando à necessidade de cirurgias reparadoras.
Quais são as intervenções mais corriqueiras nessa especialidade?
A catarata é a causa número 1 de baixa de visão, podendo levar à cegueira reversível e, portanto, sua extração cirúrgica é a mais realizada em todo o mundo. Só nos Estados Unidos, foram realizadas mais de quatro milhões de cirurgias em 2016. Seguem-se as cirurgias com finalidade refracional (correção de miopia e outras ametropias), de glaucoma (que vem a ser a segunda causa de cegueira também em todo o mundo), as de pterígio, descolamento de retina, correção de estrabismo e de pálpebras.
O que o sr. recomenda para evitar acidentes na região dos olhos?
No caso de crianças, evitar que elas brinquem com instrumentos cortantes ou pontiagudos próximos dos olhos. Adultos, cuidado com o soltar a rolha de bebidas gaseificadas. Felizmente, hoje, a indústria usa maciçamente as tampas de rosca, que reduziram bastante o trauma – atingiu inúmeros globos oculares no passado. Dentro de veículos, incluindo o banco de trás, nunca abdicar do uso de cintos de segurança, mesmo em curtos trajetos. No trabalho, dependendo da profissão, usar óculos adequados, bem como na prática de esportes. Não é raro acidentes oculares provocados por bolas de tênis!
E quanto ao descolamento de retina?
Para os indivíduos portadores de altas miopias, é recomendável serem examinados da retina periodicamente. O descolamento é mais comum em míopes do que em hipermétropes. Qualquer súbita redução da visão, acompanhada de percepção de flashes de luz (fosfenos) ou de “moscas volantes” (ponto pretos “esvoaçando” no campo visual) recomendam a avaliação imediata de um oftalmologista.