Jornadas estéticas
As aventuras de um cirurgião plástico capaz de dar a volta ao mundo para ver um tubarão-baleia ou um cavalo-marinho pigmeu.
O início dos anos 1990 foi transformador para Ronaldo Golcman. Recém-doutorado em Clínica Cirúrgica, cheio de entusiasmo mas precisando de férias, partiu para Fernando de Noronha – “por acaso”, ele supõe. E foi numa das enseadas do arquipélago que encontrou o discovery scuba – modalidade de mergulho autônomo (com cilindro) que não exige cursos ou certificação, apenas algumas dicas e a companhia de um instrutor. Pronto: ele acabava de ser picado pela mosca azul dos mares. “Desde pequeno gostava de fazer grandes travessias debaixo d’água, no fôlego, e também curtia pescar, pegar siri na praia. Depois comecei na caça submarina: você enche o peito de ar, desce na apneia com snorkel e nadadeiras, pega o peixe numa relação de igualdade. Mas essa experiência em Noronha me deixou apaixonado. Descobri que era muito mais fácil e interessante descer para admirar do que para caçar. Eu podia curtir muito mais, ver muito mais!” Hoje, além da bem-sucedida carreira na cirurgia plástica, ele coleciona viagens e histórias para contar. Aruba, Austrália, Bahamas, Costa Rica, Cozumel, Curaçau e Mar Vermelho estão na imensa lista de dive spots que já conheceu – e para os quais retorna, sempre que pode. “A riqueza no fundo do mar é tão grande, que não há um mergulho em que não surja uma novidade.”
36 horas navegando
O interesse pelo mergulho autônomo fez do cirurgião plástico Ronaldo Golcman um viajante contumaz. Ele já esteve em Kona, no Havaí, só para ver a raia manta. “É enorme, linda… E ela come filtrando, então abre o bocão e começa um balé na sua frente, faz um looping enquanto está comendo. Deixa a gente embasbacado.” Ano passado, ele realizou o sonho de ir até as Ilhas Cocos, na Costa Rica, a 534 quilômetros mar afora. “É a maior ilha tropical não habitada do mundo. São 36 horas de navegação para chegar lá. É um lugar para se ver bichos grandes, cardumes de tubarão-martelo, de tubarão-tigre e até alguns exemplares de tubarão-baleia – não é certo ver um desses, mas eu vi. É um mergulho muito, muito especial.” O destino ideal para encontrar o tubarão-baleia sem ajuda da sorte, segundo o dr. Golcman, é Galápagos.
“O arquipélago tem ainda o peixe-lua, um animal monstruoso, sem rabo e com formato muito esquisito, a iguana marinha, o albatroz de pata azul e as tartarugas gigantes – eu cheguei a conhecer o Lonesome George, um dos espécimes mais longevos.” Outros lugares exóticos como Komodo, na Indonésia, concorrem com destinos mais prosaicos como Cuba, St. Andrés e Cozumel, nos quais o mergulho é apenas parte da história. “O Caribe conheço quase todo. Semana passada fui até Cancún com minha mulher comemorar meu aniversário. E dar uma mergulhadinha, claro, só para molhar o corpo.”
Como se desliga um médico?
Chefe de Equipe de Urgência na especialidade de Cirurgia Plástica do Hospital Israelita Albert Einstein, o dr. Ronaldo Golcman viaja todo ano, ao menos uma vez, só para mergulhar. “Interfere positivamente na minha atividade profissional”, afirma ele. “A medicina me apaixona, mas traz desgaste e certa tensão. O mergulho é a contrapartida, é meu relax, a válvula de escape que o ser humano precisa ter.” Como todo mundo sabe ou pode imaginar, não é fácil para um médico desligar do trabalho, mesmo quando está por aí, numa pizzaria ou tomando um chopp. “Basta eu sair e aparece alguém me perguntando algo de medicina. Embaixo da água são só minhas bolhas. Não consigo pensar em nada, a não ser como tudo está lindo, e cuidar para que as coisas corram bem.” Como cirurgião plástico, afeito à perfeição das formas, suas harmonias e contrastes, ele admite uma relação indireta da profissão com a paixão pelo mundo subaquático. “Sim, porque as coisas realmente têm cores e formas. E é incrível o capricho de cores e formas que existem, como a natureza capricha!”
Até debaixo d’água
Você iria até a Indonésia, do outro lado do mundo, para ver um cavalo-marinho pigmeu de um centímetro e meio? Foi o que fez o cirurgião plástico Ronaldo Golcman, praticante do mergulho autônomo e observador apaixonado da biodiversidade marinha. “É um bicho colorido, lindo, difícil de enxergar.” Até algum tempo, conta ele, havia dois amigos sempre dispostos a fazer jornadas exóticas como essa. “Eles pararam um pouco, mas o que não falta é companhia. Existe turismo especializado, nacional e internacional, e os grupos acabam se repetindo, porque os doidos por mergulho sempre vão.” Quando quer viajar numa data específica, o dr. Golcman recorre a frotas que operam no sistema liveaboard, em que o grupo mora no barco. “Eu gosto. Chego e, em cinco minutos, já conheço todo mundo, porque as pessoas estão naquele barco com o mesmo propósito, a conversa é baseada no que você já viu mergulhando ou no que vai ver…” Uma das frotas que recomenda é a Agressor. “Tem presença no mundo todo. Lembro de ter visto a empresa na Micronésia, no Havaí, em Galápagos, nas Maldivas, no Mar Vermelho. Há outras no ramo, mas essa é bem forte e diversificada.” O mergulho fomenta a interação social, ele reitera, durante a viagem e também depois, na volta. “Você tem histórias para contar, fotos para mostrar, é muito legal.”
Sem luz, nada feito
“O segredo da foto submarina é a iluminação, não é a máquina.” A dica é de Ronaldo Golcman, que fora da água é cirurgião plástico, mas abaixo da superfície é tido como mergulhador e fotógrafo experiente. “Qualquer máquina bate ótimas fotos, mas se não tiver iluminação na cena, nunca se obtém bom resultado.” Ele explica que a difusão da luz nesses ambiente tem aspectos complexos, mesmo em águas cristalinas.
“Você desce cinco metros e já não tem vermelho, acabou. E conforme vai descendo, perde laranja, amarelo e assim por diante. Passando dos dez metros de profundidade, só tem azul e verde. Ou seja, se não houver iluminação apropriada, vai sair tudo azulado, feio.” Com quase 30 anos de mergulho, vários cursos de fotografia e muitos bons e maus equipamentos pelo caminho, o dr. Ronaldo Golcman aprendeu que, diferentemente das fotos tiradas aqui fora, em que o flash fica no corpo da câmera e no nível do assunto, nas fotos subaquáticas a iluminação precisa ser lateral e estar a 45 graus acima do que se quer captar. “Se não for assim, todas as sujeiras e partículas são refletidas, sai tudo quadriculado, horrível.”
Os segredos do equipamento
Confirmando o princípio de que mesmo câmeras simples podem captar boas imagens, o dr. Ronaldo Golcman usa uma pequena power shot, dessas que se pode carregar no bolso, com o auxílio de uma caixa estanque, que permite acesso aos comandos do equipamento mas deixa a água do lado de fora. “A vantagem da pequininha é que se pode colocar a lente anfíbia na frente da caixa estanque. Por exemplo, se eu desço para ver uma lesminha deste tamanho e aparece um tubarão-baleia, eu ponho a lente na frente e tiro a foto. Já quem tem uma câmera single reflex e desce com uma lente para fotografar microvida, se aparecer o tubarão-baleia essa pessoa vai fingir que não viu, porque não terá como trocar a lente embaixo d’água.”