Respiração é tudo
Com argumentos de 5 mil anos para comprovar
suas ideias, a professora de yoga Márcia de Luca afirma
que inspirar e expirar conscientemente pode trazer mais
benefícios ao corpo e à mente do que se imagina.
por Otávio Rodrigues
Aos 27 anos, com o casamento desfeito e duas filhas para criar, Márcia de Luca virou motivo de preocupação na família. “Minha mãe insistiu para eu fazer yoga, mas eu não queria aquela coisa de velho, todo mundo sentado falando OM – eu não queria fazer aquilo!” Nem é preciso dizer como a sugestão materna foi importante para a formação dessa respeitada estudiosa de yoga, meditação e ayurveda. “Tem pessoas que passam a vida inteira sem descobrir sua missão, mas ninguém pode ser feliz assim.”
Além das incontáveis viagens a Índia, onde pôde aprender mais sobre o yoga e outras ciências, Márcia estudou com Deepak Chopra e também com o dr. David Frawley, célebre estudioso da cultura hindu. É autora de vários livros, entre eles A Idade do Poder – Transformação, Saúde e Beleza para a Mulher, Ayurveda – Cultura de Bem-Viver, Vamos Brincar de Estátua? e Filosofia de Bem Viver. Ao longo de quase 40 anos de atividade, criou escolas e formou professores e, hoje, além do Espaço Márcia de Luca, em São Paulo, é sócia da Bindu Escola de Valores, que ensina meditação, atenção plena e valores para crianças, professores, pais, avós e instituições.
Nesta entrevista, ela fala sobre os benefícios do yoga, invariavelmente alinhados com os da meditação e os conhecimentos do ayurveda, e aborda aspectos do respirar – nosso tema do mês. “Não há nada melhor do que respirar”, garante ela. “Se alguém me pedisse uma dica legal, eu diria: respirar. Respiração é tudo.” Pare um pouco e confira!
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O que o yoga trouxe para você?
Com o yoga, comecei a encontrar um equilíbrio dentro de mim – não equilíbrio fora, mas dentro. Não importava o que viesse, eu estaria equilibrada para resolver. E assim fui me aprofundando, ficando mais e mais forte, moldando meu caráter. Um dia, e nada é por acaso, a empresa onde eu trabalhava me mandou para Nova Délhi como representante em uma feira de comércio exterior. Fiquei 30 dias na Índia, entrei em contato com professores e a cultura do yoga, comecei a me aprofundar in loco, conheci o sistema de cura, a medicina da Índia, que é o ayurveda – naquela época um palavrão, ninguém tinha ouvido falar.
Existem escolas formais dentro dessa cultura?
Sim. Eu fui estudar com o professor Deepak Chopra, na Califórnia, no The Chopra Center for Well-Being. Durante três anos fiquei indo e vindo, fazendo minha formação, até que abri minha escola, por acreditar que as ciências védicas do yoga, da meditação e de ayurveda formam o tripé para o equilíbrio do ser humano.
De que tipo de equilíbrio estamos falando?
Praticar yoga, meditar e seguir os conceitos de ayurveda fortalecem a pessoa para que ela tenha clareza suficiente para, por exemplo, descobrir seu propósito de vida. As pessoas hoje são como cachorrinhos ensandecidos, correndo atrás do próprio rabo sem chegar a lugar algum. Querem ganhar dinheiro, querem ir para fora, estão sempre preocupadas com a imagem exterior, agora todos esses aparelhos eletrônicos… Não prestam atenção em seus sentimentos, suas emoções, ficam sempre ligadas, mas daqui para fora. As ciências do yoga, da ayurveda e da meditação levam para dentro, e lá dentro é que se pode descobrir o propósito de vida, o verdadeiro equilíbrio.
Qual é a importância da respiração?
Quantos dias a gente pode ficar sem comer? Muitos dias, 30 dias, 40 dias? É individual. Quantos dias a gente pode ficar sem beber? Pelo menos uns três, quatro. Agora, quanto tempo podemos ficar sem respirar? Quantos segundos? Então, eu digo que respirar é o único ato involuntário do ser humano, une nosso consciente ao inconsciente, nos mostra quem somos, na realidade. Respirar nos traz no momento presente, ao aqui, ao agora. O passado já foi, não adianta ficar nas mágoas. O futuro ainda não chegou, não adianta ficar na insegurança, na ansiedade. A respiração é uma ferramenta importantíssima, é a âncora para estar no momento presente, consciente, com a atenção plena em si próprio.
O que isso tem a ver com mindfulness?
Muitas pessoas aqui no Ocidente não falam meditação, falam mindfulness, conceito que está tão na moda. Trata-se de colocar a atenção plena propositadamente em algo, sem julgar, mas com curiosidade para descobrir quem você é – e com paixão por você mesmo. Se a gente para e se observa com curiosidade, sem julgamento, consegue descobrir muita coisa.
Existe uma receita de como respirar?
Na tradição do yoga, existem exercícios respiratórios chamados pranayamas, que servem para muitas utilidades. Há os que estimulam a função do pâncreas, evitando e ajudando na cura da diabetes, os que estimulam fígado e pâncreas para manter o peso, os que estimulam a digestão, o intestino, o estômago, e sempre limpando as fossas nasais e acalmando a mente. Costumo dizer que nosso corpo, nossos órgãos, são como uma orquestra, e que esses exercícios são importantes para que a orquestra atue em sintonia perfeita. Os pranayamas específicos trabalham cada órgão e, no final, os órgãos tocam em uníssono para que haja o benefício do todo, que é o nosso corpo. É melhor prevenir do que remediar.
Qualquer um pode paticá-los?
Em geral, sim, mas existem três pré-requisitos: a intenção de fazer os exercícios, a disciplina de fazê-los todos os dias e dar tempo ao tempo, porque não é de um dia para o outro que se colhem os benefícios.
O que existe de científico em tudo isso?
As comprovações científicas nos mostram que as respirações elevam o sistema imunológico, trazem dinamismo, energização, podem trabalhar o sistema nervoso, podem acalmar. Ao aquietar a mente, a gente tem um equilíbrio e consegue intuir – era o que grandes rishis faziam. Os rishis foram sábios indianos de 5 mil anos atrás, e eles sabiam tudo. A medicina ayurveda nunca mudou em 5 mil anos, a meditação nunca mudou em 5 mil anos. Hoje, a ciência comprova tudo, exatamente tudo o que esses sábios intuiram. E para receber conhecimento, eles ficavam quietos, praticavam o jejum buscando mais sutileza nos sentidos, entravam em meditação profunda, em silêncio, que é o canal de comunicação entre nosso corpo físico e nosso corpo espiritual, o verdadeiro link para a nossa essência.
Como começar?
O exercício respiratório mais básico que existe é aquele em que você foca a sua atenção no ar que entra e no ar que sai, fazendo uma contagem para alongar o tempo da inspiração e o tempo da expiração. A primeira dica é coluna ereta: postura de rei para os homens e postura de rainha para as mulheres. Ora, quando você vai tomar um suco e o canudinho está quebrado, o suco não passa. Se o canudinho está ereto, tudo bem. Nossa coluna vertebral também precisa estar ereta, porque assim o prana, que é o fluxo da energia, vai fluir naturalmente, nos beneficiando em sua totalidade.
Respira-se pelo nariz, certo?
A maioria dos pranayamas, dentro da tradição do yoga, são feitos com a boca fechada, através das narinas – salvo alguma exceção. Primeiro, solta o ar, expira, então começa a inspirar… 1, 2, 3, pausa. Retenha o ar com os pulmões cheios. Então, 3, 2, 1… pausa. Retenha o ar com os pulmões vazios. E continue: 1, 2, 3, pulmões cheios, pausa. Penetra na pausa, observa a pausa, e expira…. 3, 2, 1, para aí e observa a pausa. Quando você observa a respiração, está meditando. Você inspira e mentaliza energia, dinamismo, saúde e alegria, daí expira, soltando tudo que não quer mais, como angústia, ansiedade, estresse, medo, insegurança. O Universo recicla tudo e dá de volta o prana, que é energia, vitalidade e tudo de bom que você quer.
Porque tanta atenção na pausa?
É na pausa que está o “X” da questão. Quando você para ali, você entra no campo da pura potencialidade, se conecta com seu eu maior e tudo pode acontecer. Se a pessoa, aumentando a frequência dos exercícios aos poucos, fizê-los várias vezes por dia, terá todas suas funções físicas e intelectuais beneficiadas.
O que fazer com o turbilhão de pensamentos?
É preciso ir treinando o estar presente, o analisar com curiosidade, discernir o que está sentindo. Porque a respiração faz com que as emoções se aflorem. E a gente, às vezes, tem emoções encalacradas que serão somatizadas em doenças. No momento em que você começa a respirar e analisar sem julgamentos, vê que tudo está certo. Você está com raiva? Tudo bem ter raiva. Você está com ansiedade? Tudo bem ter ansiedade, faz parte da gente.
Enfim, teremos de conviver com tudo isso?
Bem, você começa a se tocar. Estou com raiva por quê? Estou com ansiedade por quê? Sem julgar, analise e traga compaixão, que também é muito importante. Você tem de fazer o exercício respiratório com compaixão, aceitar a dualidade do ser humano – o santo, o profano, o bem, o mal, o divino, o diabólico, a luz, a sombra. Tudo bem sentir essas emoções que a gente rotula como erradas, mas no momento em que você presta atenção nelas e as abraça com carinho, elas somem. Bastam alguns momentos por dia de aquietamento, de silêncio, de respiração, de atenção plena, para dentro, e você entra nesse túnel do silêncio. E é aí, onde tem um ponto de luz que representa seu poder individual, que os milagres acontecem.
O desafio, portanto, é chegar lá…
A filosofia dos Vedas, as escrituras indianas, diz que cada coisa é como tem de ser e nós temos de abraçá-las como elas são. Tem de aceitar. Em primeiro lugar, claro, temos de agir, não se pode ficar esperando. Faz o que tem de fazer e aceita, entrega, confia, respira, medita, se fortalece. No final, tudo dá certo. É uma nova maneira de viver, com mais leveza. Na realidade, é uma nova maneira de viver inventada há 5 mil anos.
Crianças podem fazer esses exercícios e praticar yoga?
As crianças hoje estão sofrendo um estresse muito grande e desde muito cedo, porque recebem aqueles ensinamentos, os comandos dos pais: “Você tem de ser o melhor, você tem de estudar para ser o melhor, e se você não trabalhar muito, não vai progredir na vida!”. Está tudo errado. Vamos meditar, acionar nosso poder de aprendizado, nosso poder de foco, de concentração, de inteligência, trabalhar menos e produzir mais. Portanto, sim, as crianças podem começar a praticar yoga a partir de 3, 4 anos, ainda de uma maneira lúdica, e a partir de 7 anos podem fazer uma aula inteira – além de meditar, também, porque é o início da formação do sistema nervoso. E podem fazer tudo isso até o último dia da vida.
Não há limite de idade?
Os indianos dizem que praticar yoga é muito importante para os mais velhos, porque com o tempo as juntas começam a perder a lubrificação, o corpo começa a ficar mais duro, daí os alongamentos feitos no yoga ajudam a manter o corpo flexível, e também a massagear os órgãos, para que eles continuem funcionando da melhor maneira possível. Exercícios respiratórios, por sua vez, otimizam os batimentos cardíacos, trabalham a pressão sanguínea, os sistemas endócrino, digestivo e reprodutivo. Todo o corpo é beneficiado pela prática do yoga, dos pranayamas e da meditação – que, como podemos observar, compõem uma coisa só.
Como estimular novos hábitos em quem já não tem paciência para aprender?
O Dalai Lama diz que as pessoas vivem a vida inteira se matando de trabalhar para ganhar dinheiro e, quando ficam velhas, gastam todo o dinheiro que ganharam para cuidar da saúde, para não morrer. Qual o sentido disso? É melhor trabalhar menos e se aquietar, pois quando nos aquietamos, entramos na lei do mínimo esforço. E a gente consegue muito mais fazendo o mínimo esforço.
É preciso parar para meditar?
Uma outra definição de yoga é “perfeição na ação”. Quem quiser fazer algo com perfeição, tem de estar prestando atenção naquilo. Então, o que é feito com atenção plena, é feito em estado meditativo. O próprio Dalai Lama diz que a gente não precisa nem sentar para meditar: se vivenciarmos o momento presente com foco e atenção em cada coisa que fazemos, estaremos meditando.
Como nesta conversa agradável – por que não?
Quando termino minhas aulas de yoga, costumo citar um refrão que aprendi com meus mestres na Índia: “Que haja paz entre os homens, que haja harmonia entre os homens, que haja alegria entre os homens e que cada ser humano encontre o amor e o poder dentro do seu próprio coração.” Namaskar!